O gosto pela comunhão das coisas – pão, pedra, vinho e rosa –, bem como pela vertigem da investigação interior, poderia nos fazer pensar em Rainer Maria Rilke como homem “acomodado” em sua Praga natal. Equívoco. Rilke foi incansável em suas andanças pela Europa, nas relações profundas que estabeleceu e no ímpeto incessante de tornar-se artista. Praga, Munique, Berlim, Florença, Trieste, Moscou, Paris: foi por esses caminhos que Rilke seguiu – de um século a outro; da paz à guerra e à paz de novo – até que, em 1920, visitasse pela primeira vez as cidades de Sion e Sierre, no cantão suíço de Valais. Cativado pela região, voltou em 1921 na companhia de sua amiga e amante, a pintora Baladine Klossowska (1886–1969). Prestes a irem embora de Sierre, avistaram o anúncio de aluguel e compra de um pequeno château medieval. A pedido de Rilke, seu benfeitor, o industrial Werner Reinhart, alugou e em seguida comprou o castelo. Trata-se do château de Muzot, em Veyraz (no Valais). Foi ali que “numa tempestade desmedida, num vendaval do espírito” Rilke escreveu, em verdadeiro transe criativo, as Elegias do Duíno, iniciadas em 1912, interrompidas pela Grande Guerra – e a tristeza – e finalizadas em poucos dias. De quebra, o poeta ainda compôs outra de suas obras mais perfeitas: os Sonetos a Orfeu.
Sobre o autor
Rainer Maria Rilke (1875 – 1926) nasceu em Praga (atual República Checa), então pertencente ao Império Austro-Húngaro, e mudou seu nome, originalmente René, para Rainer. Em 1894, publicou seu primeiro livro, Vida e canções (Leben und Lieder). Em 1899, viajou para a Rússia a convite de Lou Andreas-Salomé, escritora e psicanalista, filha de um general russo, que foi um dos grandes amores de Rilke. Na Rússia, Rilke passou a enxergar a natureza, dadas as dimensões e exuberância das paisagens russas, como manifestação divina, presente, desde então em quase toda sua obra, em particular no livro Histórias do bom Deus. Em 1901, casou-se com Clara Westhoff, de quem logo se separou. O século XX trouxe para a poesia de Rilke um afastamento do lirismo e dos simbolistas franceses com os quais se identificava. Em 1905, publicou O Livro das Horas, que teve grande repercussão à época. Nesta obra, seus poemas já apresentavam um estilo concreto. Em 1902, foi para Paris, onde trabalhou como secretário do escultor Auguste Rodin, entre 1905 e 1906. Rodin exerceu grande influência sobre a poesia de Rilke, que se reflete em suas publicações de 1907 a 1908. Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rilke morava em Munique e lá permaneceu durante todo o conflito. Antes, tinha vivido na região de Trieste, na Itália, e lá publicou, em 1913, A vida de Maria (Das Merien Leben) e iniciou a redação de Elegias de Duíno (Duineser Elegien), publicado em 1923. Duíno era um castelo perto de Trieste, onde Rilke morou por dois anos antes da Guerra, a convite da princesa Maria von Thurn und Taxis. Após o conflito na Europa, Rilke mudou-se para a Suíça, a última de suas pátrias de eleição, onde viveu seus últimos anos.