Ossos dos enforcados é um romance aos pedaços, um metarromance com capítulos tão completos que podem ser lidos como microcontos; mas cheio de marcas e cicatrizes, preenchido com a tentativa de ser ouvido, lido, de ter a atenção de um interlocutor ausente de uma legião que narra a angústia de ter sido sufocado, aniquilado, morto, enforcado. O pescoço, subentendido no título, guarda feridas e uma impossibilidade de grito, o que faz com que o romance possua a cadência de um corpo preso na tentativa de verter em palavras escritas o que nunca conseguiu ser dito, verbalizado por uma fala silenciada; uma busca pelo amor sempre inalcançável, andrógino, que se faz e se desfaz a cada capítulo; assim como cada narrador se apresenta e se ausenta em suas dores e angústias. A impossibilidade de compreensão pelos interlocutores durante a vida faz com que o romance se apresente como uma busca incessante por ser visto, amado, validado em sua plenitude, verdade e, principalmente, a tentativa de compreensão de uma infância negligenciada.  Há um sufocamento, seja pela poeira da casa ou pela angústia de uma vida de negação. Os personagens são inundados pela falta de amor, de si mesmos, esgotamento, cansaço. Há fome, mas não só de comida. Uma busca faminta por existir em sua plenitude e o desejo de resgatar por meio de imagens oníricas e pela memória o amor perdido na infância e nunca conseguido vivenciá-lo por toda uma trajetória.Um texto finamente esplendoroso em que todos os presentes ali sangram, já que estão intrinsecamente ligados pela falta, violência, dor. Um romance “quebrado” assim como os ossos de uma mão com dedos serrados, braços, nariz e pescoço fraturados, mas forte e com sustentação que encontra no desejo e na busca a regeneração para se manter respirando (Kelly Fantini).